30 de agosto de 2021
MP permite que todo cidadão faça traduções e gera debate entre tradutores juramentados
No último mês, o Brasil se deparou com dois casos relacionados à tradução incorreta de termos e palavras. Em comum, as interpretações equivocadas provocaram uma série de problemas e acabaram nas manchetes dos principais jornais do país.
O primeiro erro de tradução surgiu em meio aos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão da pandemia, popularmente chamada de CPI da Covid.
Na ocasião, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) apontou diversos erros de tradução, mostrando o despreparo da empresa que até então tratava da venda da vacina indiana Covaxin. Muitos erros viraram motivo de piada na internet e acabaram com a credibilidade da Madison Biotech.
Em paralelo a essa tradução precária, a Secretaria de Comunicação da Presidência (SECOM) retaliou a reportagem recente da revista inglesa The Economist sobre o Brasil e foi além, pontuando trechos específicos do texto.
Porém, em uma frase da reportagem onde a revista diz que há necessidade de “retirá-lo”, a SECOM traduziu como “eliminá-lo”, dando a entender que a publicação tenha encorajado ataques físicos ao Presidente.
Um erro simples pode atrapalhar negociações empresariais, investimentos, como pode ocasionar indeferimento de processos de solicitação de vistos e naturalização em outro país, por exemplo.
Em ambos os casos, os erros de tradução levantaram o debate sobre a necessidade de atualizar o decreto 13.609/43. Deste modo, surgiu a Medida Provisória 1.040/2021 e, em tese, deve simplificar regras para empresas de diferentes áreas, inclusive para tradutores e intérpretes.
No entanto ao invés de simplificar, a profissão pode facilitar o acesso de profissionais desqualificados. De acordo com o senador Irajá Abreu (PSD-TO), responsável pelo parecer favorável no senado, o decreto de 1943 precisa ser atualizado.
“O texto aborda os aspectos mais gerais da profissão, deixando para o regulamento do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração as especificidades relativas às questões da tradução e interpretação pública”, afirma o relator.
Para Armando Henrique Ferreira, sócio fundador da 4doc Gestão de Documentos e especialista em tradução juramentada de documentos, a nova MP dá margem para duas possibilidades: ampliar as opções de tradutores ou burocratizar o segmento de traduções.
“O fato do tradutor juramentado ser concursado é bom por garantir mais segurança, afinal alguém avaliou o intérprete e julgou ele como capaz de traduzir corretamente. Porém, não se abre concurso constantemente e por isso há poucas opções para empresas que prestam serviço de traduções simples e juramentadas. Com a MP, você aumenta a competitividade, mas em contrapartida deve cair a qualidade técnica da tradução e criar mais burocracia”, explica Ferreira.
Entre todas as principais mudanças, a MP acrescenta a necessidade de autenticar posteriormente as traduções e libera as profissões de intérprete e tradutor para qualquer profissional que tenha um certificado de proficiência.
Hoje, o tradutor precisa passar em um concurso público e ser um tradutor juramentado para fazer traduções de documentos mais importantes, como diplomas, processos de cidadania, certidões, contratos e testamentos. Uma vez aprovada, a nova versão extingue a necessidade de validação do profissional.
Embora o Brasil tenha um sistema mais complexo de tradução, a nova saída pode resultar em novas problemáticas. De acordo com Ferreira, talvez a melhor saída fosse buscar exemplos em outros países, como a Itália.
“Na Itália, por exemplo, todo cidadão pode atuar como intérprete e tradutor desde que vá ao tribunal local da cidade. Assim, a tradução ganha legalidade e, caso algum problema aconteça, a pessoa responde civil e criminalmente. Embora crie mais burocracias, o sistema italiano oferece mais possibilidade às empresas”, esclarece o sócio fundador da 4doc Gestão de Documentos.
No Brasil, o processo de tradução passa por trâmites completamente diferentes, com a falta de novos concursos, Ferreira apresenta um problema atual: a falta de opções.
“O tradutor juramentado não precisa validar as traduções e é um trâmite rápido. Entretanto, antes de atuar o profissional deve ser aprovado em um concurso público. Acontece que esse tipo de vaga não acontece com frequência. Em São Paulo, estamos há 21 anos sem novos tradutores juramentados”, esclarece.
“Com isso, as empresas e pessoas interessadas em ter uma tradução de documentos válida ao redor do mundo passa a ter dificuldade em razão da pouca mão de obra”, complementa o tradutor.
Ainda de acordo com Ferreira, a MP 1.040/2021 deve resultar em dois caminhos bem distintos.
“Hoje, nós podemos fazer mais concursos e manter cada junta comercial do estado em um monitoramento constante ou passamos a responsabilidade para cidadãos comuns e os tribunais brasileiros, aumentando consideravelmente a parte burocrática”, comenta.
“Qualquer uma das duas modalidades garantem juridicamente o documento juramentado. A diferença de que a nova possibilidade é ter tudo aberto e criar a necessidade de o tradutor ir ao tribunal juramentar e validar um documento, enquanto hoje o processo de tradução é mais independente”, avalia.
Armando, que mantém em seu site publicações sobre tradução juramentada, alerta que outros problemas podem surgir, como orientações erradas sobre processos.
“O assunto em si já é complexo, por isso mantenho diversas informações no site para que o cliente entenda o que é tradução juramentada, sua importância e os cuidados na hora de contratar um tradutor público. A MP pode desencadear não só o aumento de erros de interpretação na tradução, como também o profissional, que não é especialista no assunto, prestar suporte com informações em processos de cidadania, por exemplo”, reforça
Em que passo está
Com 72 votos a favor e nenhum contrário, o Senado aprovou nesta a proposta que traz uma série de medidas para simplificar a abertura de empresas e o seu funcionamento.
O texto volta agora para a Câmara antes de seguir para sanção.